Memórias do Carnaval de outros tempos
Através do projeto Histórias & Memórias Fotográficas do Ecomuseu Municipal, foi possível recuperar alguns testemunhos sobre como era a vivência do Carnaval de outros tempos e não faltou quem nos falasse dos célebres bailes das sociedades filarmónicas e das coletividades nesta altura.
As pessoas disfarçadas aproveitavam a ocasião para se divertir e para exteriorizar um pouco o que lhes ia na alma, ultrapassando por vezes os riscos do exagero e dos excessos. Ainda assim, não faltam memórias felizes como a da fotografia que escolhemos para ilustrar o tema, de um baile animado na Sociedade Musical 5 de Outubro, em Aldeia de Paio Pires, tirada em 1968, que pertence a Maria Emília Lopes, em que esta aparece a dançar com o seu, na altura, futuro marido, António Costa.
Outras fotografias e memórias reportam-nos para desfiles de mascarados em Aldeia de Paio Pires, que seguiam em cortejo em veículos motorizados ou de tração animal, assim como para algumas tradições, como era a do Enterro do Entrudo, que se representava em certos locais do concelho.
Em Aldeia de Paio Pires, chamavam-lhe o Enterro do Chouriço. Esta performance algo improvisada realizava-se na noite de quarta-feira de cinzas. Fazia-se um cortejo, onde seguia uma personagem vestida de padre, o que na época não era bem tolerado pelo antigo regime, considerado por muitos uma heresia. Construía-se um caixão de madeira e havia sempre quem se fizesse passar por defunto, seguindo dentro do mesmo.
O cortejo percorria um trajeto entre a Sociedade Musical 5 de Outubro e o Largo da Seixeira, onde seguia a viúva, cujo pranto exagerado conseguia arrancar gargalhadas a toda a gente. Neste cortejo, enquanto a viúva chorava, o padre molhava os espetadores com um pincel embebido num balde com água, proferindo algumas palavras à porta de cada taberna, como se fosse um sermão, dedicando ao dono do estabelecimento versos repletos de sátira e de humor. O trajeto terminava com a colocação de um boneco de palha, no lugar do morto, que era queimado em seguida. O que tinha de divertida esta prática, tinha também de algum risco para os seus intervenientes, pois embora as rábulas versassem sobre as pessoas da terra, eram de evitar quaisquer situações mais perigosas com a GNR, podendo incorrer em pena de prisão. Por esse motivo, esta tradição acabaria por vir a ser proibida.
«O Carnaval era os Bailes de Carnaval na 5 de Outubro. E depois, no último dia, acabava o dia de Carnaval, à terça-feira. E à quarta-feira fazia-se o “Enterro do Chouriço”. Então vinha uma carroça, uma viúva, toda vestida de preto, com lenço na cabeça e tudo. Tudo a chorar e em cima vinha um boneco. Depois chegavam às tabernas faziam versos. Mas de vez em quando “ouuu”, vinha lá a Guarda. Tinha tudo de fugir. Depois, íamos ali à Seixeira, ao largo e o boneco era ardido ali. E a viúva a fazer o pranto, era sempre a Cacilda. (…) Mas foi proibido em todos os lados...» (Maria Isabel Gomes, Aldeia de Paio Pires).
Já no Seixal, segundo nos relataram a grande tradição do Entrudo costumava ser organizada pela Sociedade Filarmónica União Seixalense.
«Nunca mais me esqueço de um Carnaval que ele [Wilson Quintino] fazia de viúvo. Com um caixão e um garrafão. O soro era um garrafão de 5 litros. Foi de caixão à cova, mesmo. Depois aqui pelas ruas do Seixal, a malta com as velas e tudo a chorar. Era no último dia o Enterro do Entrudo, que se fazia o funeral.» (José Meias, Seixal)
O desfile do Enterro do Entrudo era sempre motivo de grande divertimento para os moradores do Seixal, que enchiam as ruas para assistirem a esta encenação. Nele seguia um caixão, feito para o efeito, um boneco que representava o morto, ou podia ter alguém que fazia esse papel, sendo acompanhado de carpideiras e de uma ou mais viúvas que, vestidas de negro, choravam o morto, bem alto e em bom som, gritando inconsoláveis, abafando o riso incontrolado de quem assistia. Depois do velório o testamenteiro lia em voz alta as últimas vontades do «morto», sendo o testamento lavrado, com muita sátira e humor, afetando geralmente algumas personalidades locais ou nacionais.
Conheça mais sobre o projeto Histórias & Memórias Fotográficas e descubra esta e outras fotografias (Foto Dg100179 - Baile de Carnaval na Sociedade Musical 5 de Outubro, Aldeia de Paio Pires, em 1968. EMS-CDI - Imagem cedida por Maria Emília Lopes).
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