Cegadas de Carnaval no concelho do Seixal

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12 Fev '21

Esta semana o Ecomuseu Municipal do Seixal destaca nas suas publicações uma das tradições associadas ao Carnaval que teve grande relevância no passado, no concelho do Seixal, que foram as célebres cegadas populares, escritas por um ou mais autores locais, geralmente em verso, e representadas por estes ou outros cegantes. 

Os temas apresentados possuíam sempre uma índole satírica e humorística, servindo para denunciar situações consideradas menos apropriadas, ou injustas e desviantes, e que mereciam ser reveladas. Por esse motivo, as cegadas tinham particular êxito durante o Carnaval, considerado um tempo de exceção, de folguedo e de excessos. 

As cegadas, como o próprio nome sugere, começaram por ser interpretadas inicialmente não se vendo os olhos, como se os intérpretes fossem cegos, ocultando a sua identidade com uma caraça. Com o decorrer do tempo, as cegadas passaram a ser interpretadas sem o recurso a uma máscara, mas de «olhos nos olhos, frente ao atingido, frente à situação social englobante, frente aos companheiros solidários».

Segundo palavras de Joaquim Pinto Mata, as cegadas surgiram no Seixal por iniciativa de um grupo de mascarados, «que pelo Carnaval percorriam as ruas, cantando e pedindo à maneira dos cegos, de bonés na mão, emprestando assim um ar de alegria e boa disposição às gentes que os escutavam. Era durante a quadra carnavalesca, nesses três dias de folguedo, que os cegantes, sempre bem humorados, davam largas às suas críticas contra tudo o que estava mal na terra onde nasceram ou viviam.»

Estas cegadas jocosas e satíricas eram apresentadas geralmente nos largos principais das freguesias ou em espaços amplos, sendo cantadas e também acompanhadas por guitarras, bandolins ou violas. 
Em Amora, sabe-se que existiu um interessante grupo de cegantes, do qual faziam parte Manuel Simões («Manuel Pastilha»), José Batista d’Azevedo («Zé Cadete»), Alberto Rodrigues de Almeida («Alberto Malacato») e os irmãos Francisco e Maprílio Ferreira da Costa («Chico Carroça» e «Maprílio Carroça»). Destacaram-se também em Amora os contributos de Arsénio Baptista, do seu irmão Guilherme e de Joaquim Jota, que representavam cegadas carregadas de sátira social e de piadas ao governo, que deliciavam os habitantes dos vários lugares do concelho.

De acordo com a recolha de cegadas do concelho do Seixal, realizada por Joaquim Pinto Malta, e publicada em livro em 1988 pela Câmara Municipal do Seixal, as duas cegadas mais representativas do Carnaval foram o «Jogo da Bola», de autoria de Alberto Rodrigues de Almeida, de 1931, e a cegada «Remédio Eficaz», de Francisco dos Santos, datada de 1948.

Por serem considerados textos subversivos, as cegadas tinham de passar por um apertado crivo da censura, necessitando de autorização prévia do presidente da câmara para serem representados. Nessa «revisão de texto», retirava-se toda a menção a favor do povo, em relação aos que escarneciam dele. Ainda assim, mesmo correndo os riscos inerentes de eventuais represálias da PIDE, muitos textos representados no Carnaval ou noutras ocasiões eram os originais.

Nos dias de Carnaval, as cegadas representavam, assim, um grito de liberdade, embora muitas vezes os cegantes acabassem por ser privados dela, podendo ser arrastados para a prisão durante um longo período de tempo. Mesmo correndo esse risco, a tradição das cegadas manteve-se durante mais de meio século, inspirando os poetas locais, às quais deram voz alguns fadistas e gentes do povo. Porém, devido ao seu cunho de crítica social, as cegadas acabariam por ser proibidas e os seus intérpretes perseguidos, o que levou ao gradual desaparecimento desta forma de expressão no concelho.
O livro «As Cegadas no Concelho do Seixal» encontra-se disponível para consulta no Centro de Documentação e Informação do Ecomuseu Municipal do Seixal, após a reabertura dos equipamentos municipais ao público.

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